Criação da SAIN - A primeira sociedade civil no Brasil

A Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional (SAIN) foi inaugurada em 19 de outubro de 1827, instalada na casa de seu idealizador, na ladeira de Santa Thereza, 10. Mais tarde, foi transferida para uma sala onde funcionava o primeiro Museu Nacional, no Campo de Santana, na praça da República. Eram 49 sócios efetivos e seis honorários, entre eles o próprio imperador Dom Pedro I.
A história da Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional começa bem antes de sua fundação. Em 1816, o fidalgo Ignácio Álvares Pinto de Almeida enviou um requerimento ao governo de Dom João VI, pedindo o consentimento para fazer uma subscrição em favor de uma sociedade civil. Após atrair interessados em aderir ao seu projeto, lançou as bases da entidade em uma reunião no Rio de Janeiro em 1820.
Porém, uma série de acontecimentos políticos, como a Revolução do Porto, que acarretou o retorno de Dom João VI a Portugal (1821), a Independência (1822), a Assembleia Constituinte (1823) e a Guerra Cisplatina (1825), entre outras revoltas, retardou a criação da Sociedade. D. Pedro I, por meio de decreto, aprovou os estatutos da nova instituição em outubro de 1825. Finalmente, em julho de 1827, uma portaria instituiu a diretoria e o quadro de funcionários da SAIN.
Ignácio Álvares Pinto de Almeida era comerciante no Rio de Janeiro, deputado da Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, além de pertencer ao Conselho de Dom Pedro I. Com a inauguração da SAIN, assumiu estrategicamente o cargo de secretário perpétuo, que ocupou até a sua morte em 1843. Em seu discurso na abertura da nova entidade, ressaltou que “nenhum país floresce e se felicita sem indústria; por ela ser a móvel principal da prosperidade e da riqueza, tanto pública, como particular de uma nação culta e realmente independente”.
O discurso destacava também a importância do uso de máquinas, que seriam, assim como em outras nações, “o meio pelo qual a indústria se serviria para aumentar forças e obter em menos tempo, com menor número de braços (...) maior soma de produtos, que generalizados aumentam tanto mais os capitais e a riqueza de uma nação”. Para o Brasil do século XIX, e para os associados da SAIN, o país tinha vocação agrícola, e a indústria ainda era vista como um instrumento para melhorar essa produção. A SAIN, portanto, nascia com a missão de popularizar o uso de máquinas e instrumentos que ajudassem a reduzir os custos provenientes de mão de obra africana empregada nos trabalhos agrícolas.
A Sociedade seria formada por membros efetivos e honorários. Inicialmente, contava com um presidente, um vice-presidente, um secretário, um tesoureiro e cinco funcionários. Entre os associados havia conselheiros, ministros e secretários de Estado, senadores, deputados, eclesiásticos, médicos, advogados, negociantes, agricultores, entre outros. Os sócios deveriam contribuir com uma quantia quase que simbólica, que seria empregada nas despesas administrativas, na compra de livros e de máquinas. O crescimento da SAIN foi relativamente rápido: os 46 sócios iniciais passaram para 131 sócios efetivos em 1836, que saltaram para 217 no ano seguinte. Entre 1866 e 1877, o número de associados havia subido para 1.300, entre perpétuos, honorários, correspondentes e efetivos.
A ideia era, portanto, difundir conhecimentos úteis que ajudassem a desenvolver e modernizar a indústria agrícola. Em seus estatutos, estava previsto o espaço para um conservatório de máquinas – que funcionaria como um museu da indústria –, onde seriam oferecidas aulas de Mecânica a fim de incentivar a reprodução e invenção de modelos industriais. A Sociedade deveria manter publicações e traduções sobre todos os assuntos que pudessem contribuir para esse fim, além de realizar exposições.
Uma proposta pioneira foi a do associado Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt para regulamentar e proteger os direitos do inventor e/ou descobridor. Conhecido como Intendente Câmara, por ter sido intendente das Minas e Diamantes na Província de Minas Gerais, foi também um dos responsáveis pela construção da Real Fábrica de Ferro do morro do Pilar. Naquele momento, Câmara era senador. A proposta, aprovada em agosto de 1830, tornou-se a primeira lei brasileira de patentes. Desde então, protótipos de inventos e máquinas eram enviados para serem analisados por uma comissão na SAIN.
Em 1833, a Sociedade lançou um periódico próprio para divulgar suas ideias: O Auxiliador da Indústria Nacional. As páginas de seu periódico dão um pouco a ideia das máquinas utilizadas naquela época: máquinas para descascar e ventilar café; lavar ouro; fiar à mão; fazer manteiga; tirar a seda do casulo; para dobrar a seda; fazer cordas; tornear metais; fazer farinha de mandioca; máquina a vapor; lavar roupa; entre outras.
Outra questão importante de seu ideário era a educação, fundamental para o “progresso do país”. Logo, foi proposta a criação de escolas normais e também uma escola agrícola. A SAIN participou da elaboração de várias entidades, sendo responsável pela criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1838) e do Imperial Instituto Fluminense de Agricultura (1860). Foi também a organizadora da Primeira Exposição Nacional do Brasil (1861) e de outras exposições marcantes nesse período. Mais tarde, criou uma Escola Noturna para adultos e uma Escola Industrial. A SAIN cumpria a tarefa de pensar e racionalizar a economia do Brasil conforme havia prometido em seu primeiro estatuto.
Ao longo dos anos, a SAIN promoveu várias modificações em seus estatutos. A primeira ocorreu em 1831, seguida por novas alterações em 1838, 1848, 1857, 1869 e 1891. A Sociedade procurava atualizar a sua estrutura de acordo com as novas necessidades e os novos tempos. A sua longa história ajuda, portanto, a entender a evolução do desenvolvimento industrial no país no século XIX. Em seus primeiros anos, o foco das ações permaneceu bastante ligado às questões da indústria agrícola: as melhores técnicas de cultivo, novas máquinas para melhorar o beneficiamento dos produtos etc.
Esse quadro começou a mudar com o início de um surto industrial em meados do século. Dois fatores foram decisivos para essa mudança: a Tarifa Alves Branco (1844) e a Lei Eusébio de Queirós (1850). A nova tarifa aduaneira adotada pelo governo aumentou para 30% as taxas sobre produtos importados sem similar nacional e para 40% a 60% sobre produtos com similar. E a Lei Eusébio de Queirós, ao proibir o tráfico de escravos para o Brasil, liberou verbas para serem investidas em outras áreas. Atenta ao novo contexto, assuntos especificamente de cunho industrial começaram a ganhar força na pauta da SAIN e maior espaço nas discussões internas.
O ano de 1857 é um momento marcante na história da Sociedade: a criação da Seção de Indústria Fabril, bem como a Seção de Química Industrial, após uma nova reforma em seus estatutos. Em 1860, a SAIN tornava-se oficialmente um órgão consultivo do governo imperial, sob a alçada do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, ficando encarregada de examinar e emitir pareceres sobre técnicas e tecnologias que viabilizassem a expansão da produção nacional.
Aos poucos, fortaleceu-se um grupo de associados ligados à indústria fabril, motivados em defender os interesses específicos da indústria. Alguns deles deixariam a SAIN para criar uma nova instituição em 1880: a Associação Industrial. Mas as mudanças não foram tão rápidas. A SAIN continuava a incentivar as atividades agrícolas, inclusive pregando a expansão da pequena propriedade rural e criticando o latifúndio improdutivo. As ações oscilavam entre o mundo agrícola e um novo mundo, ainda em formação, da indústria nacional. Dois caminhos que começavam a se separar.
Na última década do regime imperial, a SAIN enfrentou crescentes dificuldades financeiras. O apoio governamental já não bastava para pagar suas despesas, e os apelos feitos para aumentar seus recursos não foram atendidos. Em 1886, o governo cortou parte de sua verba, sob a alegação de que a economia nacional estava em crise. A entidade deixou de atuar como órgão consultivo do governo na concessão de privilégios e em outros temas de relevância, num claro indício de sua perda de prestígio junto ao governo imperial.